No primeiro dia na cidade, comprei o livro de Paula Arrieta Gutierrez: Si Muere Duchamp, que havia tentado comprar no Brasil, via site da editora, mas sem sucesso.
A curiosidade com este livro começou pelo título, uma provocação à onipresença de Marcel Duchamp na Arte Contemporânea. Isso vinha ao encontro do assunto da peça sonora M.D.F.D.P. que as Garotas Instantâneas haviam gravado e, em Porto Alegre, haviam provocado algum mal estar.
Ao ler o livro, para além de Duchamp, encontrei outras correspondências. Em determinado momento do livro, Arrieta apresentou um caso recente de violência contra uma jovem mulher, ocorrido no Chile.
Para mim, foi outro dejavu, pela semelhança com o que havia ocorrido com Mariana Ferrer, no Brasil. Eram dois casos de estupro contra mulheres, que aconteceram em casas noturnas, mais ou menos, no mesmo período e que tiveram audiências judiciais abusivas, realizadas por Zoom, durante a pandemia.
Entendi que, mudam-se os nomes, as cidades, os países, mas os destinos das mulheres são, igualmente, tristes. O caso chileno resultou numa tragédia.
Como o livro de Paula Arrieta respondia a outras questões, entrei em contato por email, com a autora, sugerindo um encontro para conversarmos sobre o livro, a minha pesquisa e estas convergências.
Convite aceito, o café com Paula aconteceu na manhã de 18 de outubro de 2022_um emblemático dia do 3º aniversário do Estallido Social. Haviam fortes recomendações do governo para que as pessoas ficassem em casa, na parte da tarde, para evitar as manifestações que deveriam acontecer pela cidade e, possíveis confrontos com a polícia.
No encontro com Paula, falamos da vida e política nos nossos países, da educação universitária e de nossas pesquisas em arte, dos feminismos e, claro, de Duchamp.
A concepção e a construção de uma peça sonora em colaboração, se deu alguns meses depois, quando eu já estava no Brasil. Assim, o processo de criação com Paula Arrieta, aconteceu remotamente. Paula recitou (palavra falada em espanhol) e gravou desde o Chile, o trecho do seu livro que descrevia e refletia sobre o caso de Antonia Barra.
O meu processo de criação começou com uma seleção de frases de reportagens, publicadas na Internet, sobre o caso Mariana Ferrer, que foram misturadas a questionamentos escritos por Paula, devidamente traduzidos para o português. Também compus uma base eletrônica de atmosfera sombria, com o controlador de som Novation Lauchpad App para iPAD, que ainda funcionou como um equalizador dos nossos tempos na recitação (velocidades das linguagens). A peça sonora contou, também, com a colaboração da percussionista acústica gaúcha Leciane Rodrigues Ferreira, que tocou tambor-surdo. Esses sons marcam o início e o final da peça sonora.
As gravações do tambor-surdo e da minha voz (recitação) aconteceram entre janeiro de fevereiro de 2023, no Estúdio de som CADELA RECORDS. A edição sonora foi feita por mim e pelo produtor musical Nando Barth, que também assinou a mixagem e a masterização de NO NOS CREEN, realizadas no seu estúdio de som CADELA RECORDS, em Porto Alegre, Brasil.
A peça sonora NO NOS CREEN (NÃO ACREDITAM EM NÓS) (2023) foi criada em colaboração com Paula Arrieta Gutiérrez (Chile) e Leciane Rodrigues Ferreira (Brasil).
O lírico é uma mistura de textos de Paula e Marion que justapõem, entrelaçam e apresentam as histórias semelhantes de violência contra duas mulheres, Antonia Barra e Mariana Ferrer ocorridas, respectivamente, no Chile e no Brasil e trata dos seus desdobramentos na Justiça e na vida diária, recitados a duas vozes sobre sons eletrônicos e acústicos.